A piora nos indicadores econômicos, motivada pela crise, refletiu-se em um aumento da taxa de desemprego mais intenso para os negros, no comparativo dos biênios 2012-2013 e 2014-2015, fazendo a distância em relação aos não negros voltar a registrar crescimento. No período, o desemprego entre os negros avançou de 11,3% para 13,9%, enquanto a taxa para os não negros passou de 9,7% para 10,6%. Com isso, a diferença entre os segmentos, que chegava a 1,6 ponto porcentual no período anterior, subiu para 3,3 pontos porcentuais.
Os dados são do estudo especial “Os Negros no Mercado de Trabalho da Região do ABC”, apresentado nesta sexta-feira (18), na sede do Consórcio Intermunicipal Grande ABC. Elaborado pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), em parceria com a entidade regional, a pesquisa marca a celebração do Dia Nacional da Consciência Negra (20).
O economista da Fundação Seade e coordenador do estudo, Alexandre Loloian, destacou que o último ciclo de crescimento econômico, apesar de não ter sido suficiente para reparar as desigualdades históricas, possibilitou reduzir os diferenciais de raça/cor, estimulado também por ações afirmativas.
“No entanto, bastou um curto período de forte crise econômica para interromper alguns desses avanços, como uma redução da diferença entre as taxas de desemprego total entre negros e não negros. Somente com ações de políticas afirmativas, principalmente as voltadas à educação, é possível atacar as desigualdades no mercado de trabalho e aumentar as oportunidades de inserção para a população negra”, afirmou Loloian, durante a divulgação da pesquisa.
O aumento da taxa de desemprego, entre 2012-2013 e 2014-2015, ocorreu entre todos os segmentos de raça/cor e sexo, embora tenha registrado maior intensidade entre os homens negros (de 9,5% para 12,7%). A representatividade dos negros no total de desempregados também cresceu, de 34,7% para 35,7%.
Por faixas etárias, os jovens de 16 a 24 anos foram os mais afetados pela crise econômica, uma vez que suas taxas cresceram de 21,7% para 25,5%, entre os negros, e de 20,4% para 24,4%, entre os não negros. As jovens negras e não negras apresentaram os maiores crescimentos (5,1 e 5,2 pontos percentuais), alcançando taxas de 29,7% e 26,3%, respectivamente, em 2014-2015.
No mesmo período, o rendimento médio real por hora diminuiu 1,3%, para os negros, e 3,7% para os não negros. Com isso, o rendimento médio por hora dos negros (R$ 9,78) passou a corresponder a 63,3% do recebido por não negros (R$ 15,46), porcentagem que era de 61,7% em 2012-2013 e que chegou a equivaler a 59,5%, em 1999-2000. “A melhora é muito pequena e não pode ser considerada exitosa, pois os valores ainda continuam muito distantes”, disse o economista do Seade.
Mercado de trabalho
No ABC os negros representavam, em 2014-2015, 28,5% da População em Idade Ativa (PIA) e uma proporção ligeiramente maior na composição da População Economicamente Ativa (PEA), de 29,6%. A parcela de desempregados negros era bem maior (35,7%), caracterizando sua sobrerrepresentação entre os desempregados.
A taxa de participação – definida como a proporção da PEA em relação à PIA – é tradicionalmente maior entre os negros, pois eles entram mais cedo no mercado de trabalho e saem mais tarde do que os não negros, de acordo com Loloian. Entre 2012-2013 e 2014-2015, aumentou a diferença dessa taxa entre os dois segmentos, uma vez que cresceu para os negros (de 62,5% para 63,8%) e diminuiu para os não negros (de 61,0% para 60,4%).
Ocupação
A participação de negros no total de ocupados do ABC diminuiu de 30,8%, em 2012-2013, para 28,8%, em 2014-2015, comportamento registrado tanto para as mulheres (-1,1 p.p.) como para os homens (-0,9 p.p.). No último biênio, 28,8% do total de ocupados eram negros, sendo 12,9% mulheres e 15,9% homens.
Na análise setorial, o setor de Serviços, responsável por aproximadamente a metade dos postos de trabalho das sete cidades, abrigava 50,5% do total de ocupados negros e 53,7% de não negros em 2014-2015. A proporção de negros era um pouco menor do que a de não negros no Comércio (16,0% e 16,8%, respectivamente), semelhante na Indústria (24,0% e 24,2%) e maior na Construção (8,5% e 4,3%, respectivamente).
Nos setores de Comércio e na Construção predominam postos de trabalho com menores exigências de qualificação profissional, relações de trabalho mais precárias e remunerações mais baixas, de acordo com o coordenador do estudo. “Alguns segmentos dos Serviços em que há maior proporção entre os negros também têm estas características. Isto é reflexo do tipo de inserção dos negros no mercado”, explicou.
Por posição na ocupação, verifica-se que, na perspectiva de garantias trabalhistas e previdenciárias, os não negros encontravam-se, em 2014-2015, em situação ligeiramente melhor do que os negros: 65,4% e 63,7%, respectivamente, dos não negros e negros ocupados estavam inseridos em atividades regulamentadas. Isso ocorre porque, do total de negros ocupados, a parcela no assalariamento público (5,9%) era menor do que a de não negros (8,9%), embora seja maior no setor privado com carteira assinada (57,8% e 56,5%, respectivamente). Vale ressaltar que, no período analisado, aumentou a proporção de assalariados com carteira assinada no setor privado e diminuiu a do setor público, entre os negros.
Ao considerar ocupações com menor nível de regulamentação e cujos rendimentos geralmente são mais baixos, os negros possuíam maior representatividade do que os não negros, em 2014-2015: respectivamente, 8,1% e 4,1% eram empregados domésticos; 16,2% e 14,7% eram trabalhadores autônomos; e 8,2% e 7,0% eram assalariados sem carteira de trabalho assinada no setor privado.
No setor público, a distância entre as parcelas de assalariados negros e não negros tem origem na constatação de que cerca de metade desses ocupados possui nível de escolaridade superior, segundo Loloian. Essa característica, associada ao fato de o ingresso no setor público ocorrer principalmente por meio de concursos, permite concluir que a sub-representação de negros nesse segmento deve-se muito mais às suas históricas dificuldades de acesso aos níveis mais elevados de ensino do que a eventuais ações discriminatórias das quais possam ser vítimas (em 2014-2015, 8,4% da população negra economicamente ativa e 27,0% da não negra haviam completado o ensino superior).
Grande ABC